terça-feira, 29 de março de 2011

A preparação física no FC Barcelona

Venho somente transcrever um artigo que o professor Rodrigo Leitão escreveu, em 2009, para o site: www.universidadedofutebol.com.br 
Certos fenômenos precisam ser observados por um tempo, que tem que ser o tempo do 'próprio fenômeno', e não o tempo que nós damos a ele
A preparação física no futebol vem evoluindo e sofrendo constantes transformações desde que passou a ser formalizada nas sessões de treinamento das equipes. No mundo todo, a organização do processo de treinamento desportivo também passou por modificações, que, de certa forma, influenciaram as transformações que se refletiram no futebol.



Recentemente, o responsável pela preparação física da equipe do FC Barcelona, Francisco Seirul-lo Vargas (está lá, nesse trabalho, desde 1994), em um congresso na Espanha, surpreendeu a todos (ou quase todos), e, inclusive ao renomado cientista do treinamento Jurgen Weineck – presente no evento –, em sua explanação, mostrando que em sua equipe os treinamentos “físicos” são realizados de maneira integrada aos objetivos do treinador e são elaborados para contribuir com a construção do modelo de jogo adotado pelo FC Barcelona.


Francisco Seirul lo Vargas

Seus treinos, então, pautados no jogo a ser jogado, distinguem-se do que tradicionalmente são adotados como modelo, meios e métodos de treinamento. As avaliações dos jogadores são qualitativas, realizadas no próprio jogo. Não há RASTs, Yo-Yos, testes de velocidade de limiar de lactato, altura de salto, etc., etc., etc. A melhor avaliação – parafraseando alguns presentes no evento –, é o futebol apresentado e o resultado dos jogos.




Claro, isso não quer dizer que devamos parar tudo, jogar fora décadas de treinos, e começar novamente de outro jeito. É inegável que métodos tradicionais têm conquistado grandes resultados – isso é um fato. O que quero destacar é que, primeiro, para a contextualização de um mesmo problema, caminhos diversos podem ser adotados como solução, e, esses caminhos, em curto e médio prazo (ah, o tempo!), podem não apresentar diferenças aparentes nos resultados obtidos; segundo, já faz algum tempo que um grupo (pequeno) de pessoas aqui no Brasil (treinadores de futebol, professores, cientistas) está apontando para o caminho descrito pelo preparador físico do FC Barcelona (inclusive com maiores avanços em algumas coisas), mas como o bom capital simbólico dessas pessoas está concentrado em alguns poucos nichos, a informação acaba não se disseminando.

Sobre o primeiro “destaque”, quero dizer, apoiado em um Prêmio Nobel, o pesquisador Ilya Prigogine, que certos fenômenos precisam ser observados por um tempo, que tem que ser o tempo do “próprio fenômeno”, e não o tempo que nós damos, sem saber, para ele. Então, se por enquanto, aparentemente, caminhos diferentes têm levado a bons resultados, aguardemos pelo que virá – e aos meus olhos, ao menos o jogar do FC Barcelona já me parece bem diferente de alguns outros.

Sobre o segundo “destaque”, quero dizer, que façamos essa forma diferente da tradicional, de pensar a preparação desportiva, atingir rapidamente os alvos certos (os nossos treinadores de ponta, os preparadores físicos, os dirigentes). Nossos “pensadores da práxis” precisam ser ouvidos. Não dá para esperar o FC Barcelona ganhar mais um jogo (porque tem gente que vai acreditar, que o problema são só as “cifras”).

Então, pessoal, falem para o Juca (o Kfouri), quem sabe ele escuta, e convida um deles para uma entrevista na ESPN; ou então falem ao Jô (o Soares, para uma conversa inteligente), o Trajano, o Tostão, sei lá...

Só não me venham com o Galvão...

Para interagir com o autor: rodrigo@universidadedofutebol.com.br

sábado, 26 de março de 2011

A visão reducionista do nosso futebol

Considero o Daniel Portela um grande fisiologista do nosso futebol, porém a idéia que ele tem sobre a Periodização tática parece-me equivocada. Nos vídeos abaixo, ele e o também fisiologista Marcos Serra, concedem entrevista ao site do professor Artur Monteiro, e mostra total falta de conhecimento acerca do assunto. Um estudo epstemológico sobre a a Periodização tática e, a partir daí, compará-la com outras metodologias, periodizações, seria o mais sensato a se fazer. A ''preocupação física'' sempre vai existir em qualquer que seja a metodologia empregada, porém na Periodização tática não é ela quem rege toda a preparação e sim a dimensão TÁTICA, o JOGAR. A visão cartesiana ainda impera no nosso modo de treinar futebol e isso ainda levará um tempo para ser mudado. Como falei anteriormente: Não acredito que exista certo ou errado no futebol. Creio na visão que cada um  tem do que realmente é o futebol!









quinta-feira, 17 de março de 2011

Exercício intersetorial

“Agora, inventar arte e maneira:
De juntar o acaso e a certeza,
Leve nisso, ou não leve, a vida inteira”
(José Saramago cit. Frade, 1990:9)




Este exercício é parecido com um que postei anteriormente, só que neste utilizamos o 1-4-3-3. Temos como objetivos nesse trabalho a circulação de bola, pressing, retirada da bola de pressão e mobilidade ofensiva. Jogadores do meio jogam na área demarcada (3x3). Vermelhos tentam marcar gols nas mini-balizas. Azuis tentam tomar a posse de bola e retirá-la da zona de pressão, ligando nos atacantes e juntando-se a eles, começando assim uma situação 6x4.

O que é certo ou errado no futebol?

Estamos em 2011 e deparamo-nos com um presente futebolístico ainda retrógrado, apesar das mudanças ao longo do tempo. A falta de conhecimento dos que dirigem as equipes (corpo técnico e diretoria),  não deixa ocorrer as transformações necessárias para um avanço que é inevitável.

Costumamos, no futebol, ''enfeitar demais o pavão'': GPS, lactímetro, fotocélulas etc. e perdemos o foco no principal: o jogar futebol! Não entendo o treinar de uma forma para jogar de outra. Qual o sentido desta prática, ainda muito comum?




Creio que a mudança provoca medo, desconforto, insegurança. Afinal, é mais cômodo e fácil,  ''fazer o que todos fazem''. O estudo aprofundado do futebol exige esforço e dedicação. Isso não ficou para todos. Creio no treino como espelho do jogo e no jogo como reflexo do treino! Não estou entrando no mérito do que é verdadeiro ou falso, do que é certo ou errado. Estou, apenas, entrando na lógica do jogo e partindo disso, tirando minhas conclusões e seguindo minha metodologia de trabalho.

Critico a resistência ao novo, mesmo lembrando uma frase do Vitor Frade: Não temos necessidade daquilo que desconhecemos. Critico, pois, desta forma, a falta de gana pela busca ao conhecimento, do aperfeiçoamento contínuo, do intercâmbio. A informação e o conhecimento estão logo ali, para quem quiser e tiver disposição. Falta-nos, também, a coragem de acreditar em algo e por em prática.''Cada verdade tem o seu momento mas quando se elege uma verdade deve-se defendê-la em todo o momento” (Valdano, 1998).


Afinal, o que é certo ou errado no futebol? Não acredito que exista um ou outro. Creio na visão que cada um  tem do que realmente é o futebol!

terça-feira, 1 de março de 2011

O principal diferencial de José Mourinho

Venho aqui, somente transcrever esse excelente artigo que professor Alcides Scaglia disponibilizou no site: www.universidadedofutebol.com

Treinos devem preparar para as situações e problemas do jogo
“Treino é treino, jogo é jogo!”. Este é um dos adágios populares mais alardeados nas searas futebolísticas. Jornalistas, técnicos, jogadores, torcedores... Já escutei esta frase de todos eles. Contudo, o problema não se resume no reproduzir este ditado, mas em acreditar nele.
Esta máxima, se levada ao pé da letra, me permite concluir que não tem sentido treinar. Se o treino é circunscrito em si, ou seja, tem um fim nele mesmo, não mantendo relação com o jogo, treinar passa a ser apenas ocupação de tempo ocioso antes do jogo, pois o mesmo não prepara os jogadores para enfrentar os problemas do jogo.
José Mourinho, mesmo não utilizando este adágio, disse de outro modo a mesma coisa em um pequeno trecho do livro “Um ciclo de vitórias”. Em 2000, depois de sua estréia com derrota no Benfica, Mourinho constatou que faltava hábito de trabalho no clube e para isto justificou-se destacando a falta de agressividade (importante não confundir com violência) nos treinos.
“(...) havia a questão da agressividade no treino, que era inexistente. Algumas ‘individualidades’ simplesmente não queriam que houvesse o mínimo de agressividade nos treinos. Resultavam daí que treinavam sem caneleiras, logo sem contacto e sem situações competitivas. Os treinos no Benfica eram, no mínimo, caricatos. Diariamente, um grupo de bons rapazes dava uns toques na bola, fazia umas corridas e era tudo”.
Para entender melhor o que disse Mourinho, recorri às inquietações filosóficas de nosso filósofo da Educação, o professor Paulo Guiraldelli Jr., que em uma de suas aulas na TVfilosofia (www.tvfilosofia.blog.br), disse que o conceito de  filosofia poderia se resumir na desbanalização do banal. Ou seja, o filósofo quer dizer que o trivial (banal), o comum, o corriqueiro, o habitual, passa a incomodar o filósofo, que então se debruça a investigar e desvendar o que o senso-comum encobriu.
Por meio da afirmação do filósofo Paulo Guiraldelli Jr., posso inferir que Mourinho filosofou a respeito dos treinamentos no Benfica (que pode ser generalizado para uma grande quantidade de clubes). Ele exatamente desbanalizou o banal ao abordar algo óbvio, mas que ninguém, via, vê ou quer ver.
No futebol os treinos e seus objetivos são banalizados. Pode-se dizer isto no sentido de que os mesmos não se preocupam necessariamente em manter uma relação com o acaso e as exigências presentes no jogo. Por exemplo, nos treinos reina a previsibilidade, no jogo impera a imprevisibilidade.
Explico: desde a rotina da semana, passando pelo aquecimento, treinos físicos, treinos técnicos, treinos táticos, até a nutrição antes do jogo, são previsíveis, no sentido de sempre se repetirem, enquanto que o jogo é marcado por situações inesperadas e irredutíveis, logo nunca uma mesma jogada se repete, uma mesma ação é reproduzida, ou mesmo, um gol igual ao outro é convertido.
Na imensa maioria dos clubes a preparação física acontece desintegrada das demais preparações (técnica, tática e emocional) e longe do campo de jogo, sem bola, e ainda mais, por incrível que possa parecer, com a imposição autoritária do técnico impedindo o preparador físico de literalmente por as mãos na bola.
Já no jogo os jogadores jogam com o físico, a técnica, a tática e o emocional integrados. Não há possibilidade de no jogo de futebol separá-los em partes, reduzi-los a momentos em que as valências físicas possam ser isoladas dos demais componentes do jogo, sem ser influenciada pelos mesmos.
Os treinos técnicos são analíticos, repetem-se movimentos de forma descontextualizada do jogo, ou melhor, treina-se a reprodução de movimentos fechados, padrões gestuais são preestabelecidos. Adestra-se uma habilidade fechada. Desse modo, formam-se exímios malabaristas com a bola nos pés e inaptos jogadores.
No jogo são exigidas habilidades abertas, pois as exigências de execução são sempre variadas e requerem constantes adaptações, ajustes inesperados. Logo, se os jogadores nos treinos não são estimulados a potencializar suas respectivas capacidades adaptativas, estes se apresentam como inadequados, ou até contraproducentes na perspectiva de altos rendimentos.
Já os treinos táticos realmente não exigem a utilização de caneleiras, como advertiu Mourinho, pois, na maioria deles, os marcadores fazem sombra aos atacantes titulares, ou seja, apenas acompanham a jogada, dando azo até às típicas situações constrangedoras em que, se a sombra for muito grande em tamanho e menor em idade e o jogador titular muito pequeno em atitude e vontade, este humilha esse.
Fala-se aos quatro cantos do mundo da bola que estes treinos táticos ensaiados e coreografados já foram alvo de crítica de um dos paradoxais gênios do nosso futebol brasileiro. Diz-se que Garrincha certa vez, depois de participar de um desses treinos perguntou ao técnico se já haviam combinado também com o time adversário.
Garrincha foi e é motivo de piadas e chacotas no meio futebolístico em relação a sua hipotética limitação intelectual. Será que ele estava errado ao fazer esta colocação (se é que a fez na verdade)? Ou será que ele estava errado apenas na perspectiva do paradigma cartesiano, no qual impera a ordem linear? Pois, à luz do paradigma da complexidade descrito por Edgar Morin, seria somente combinando com o adversário para que se possa criar um ambiente para a materialização e transferência de conhecimentos da coreografia de acontecimentos ensaiados no treino para realidade do jogo.
O jogo sempre tende ao caos, à desordem. Os treinos criticados por Mourinho acercam-se da ordem, da linearidade. Até os treinos coletivos, que se caracterizam como jogo, muito raramente acontecem se levando em conta fatos que são corriqueiros, como, por exemplo, a desigualdade numérica. Uma equipe nunca treina como jogar com um ou dois jogadores a mais ou a menos, porém se depara inevitavelmente com esta situação quase que em todos os jogos.
Portanto, a partir da simples, da aparente constatação de que os jogadores do Benfica não usavam caneleiras (fato banal, invisível aos olhos positivistas) é possível entrever que a agressividade (no sentido de ações/desafios que põem o jogador em jogo) se apresenta como um importante indício que nos mostra o quanto os treinos não guardam semelhanças com o que acontece no jogo, logo desnecessários; logo caricatos.
Ao desbanalizar o treino banal, José Mourinho edifica e consolida sua peculiar metodologia de treinos. E, digo novamente, até de maneira inocente ele nos ensina como fazer para que as ações do treino possam ser transferidas para o jogo:
“Para dar um exemplo, imagine-se duas equipas, num quadrado de 30 metros de lado, onde cada uma delas tenta manter a posse da bola. Se eu reduzir o quadrado, de 30 para 10 metros de lado, modifico logo tudo porque os obrigo a uma maior proximidade entre eles, logo mais contacto físico, logo a mais competitividade, e por aí fora. Outra alteração que introduzi foi o uso obrigatório de caneleiras”.
Então posso concluir que o notório técnico português ressignificou o ditado popular que diz que treino é treino, jogo é jogo. Por intermédio de José Mourinho e sua inovadora metodologia o adágio passa a ser: “Treino é jogo, jogo é treino”.
Para interagir com o autor: alcides@universidadedofutebol.com.br
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