Treinamento de Força no Futebol - Um olhar reflexivo
Para se tocar piano, ninguém visualiza o pianista correndo em volta do referido instrumento musical para adquirir resistência no intuito de produzir belas melodias. (FRADE)
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Quebrar paradigmas no Futebol é uma tarefa por demais complicada. Embora, tenhamos acompanhado, ao longo das últimas décadas, cair por terra diversas 'verdades' antes tidas como absolutas.
Em um país com uma cultura futebolística muito forte, como é o caso do Brasil, essa intenção fica cada vez mais difícil. Com relação a isso, iremos falar sobre o treino de Força no futebol.
O futebol moderno está cada vez mais rápido e com isso o culto à Dimensão Física tem aumentado de maneira exacerbada ano após ano. Aqui no Brasil, este tipo de treinamento tem sido caracterizado, em sua grande parte, pela utilização de aparelhos em academias.
Saliba e Hrysomallis (2001) e Reilly (1994) referem que o treino da força pode contribuir efetivamente para a melhoria da performance de remate em jogadores de futebol. Embora, a prevenção de lesões seja também um dos objetivos perseguidos por este tipo de treinamento. De Proft et al (1988) referem estar demonstrado que o treino do futebol aumenta a força, mas que a associação deste a um programa de treino de força individual irá resultar em níveis de força superiores, melhores performances de remate e melhor performance funcional, considerando sempre que as habilidades técnicas são uma determinante importante do remate.
Porém, 'Atendendo' ao princípio da Especificidade, novos métodos tem sido implantados. Os preparadores Físicos tem 'transferido' as academias para o campo de jogo. Pesos livres, Halteres, saltos, pliometria, cintos de tração, mudança de direção etc. fazem com que o treino torne-se mais 'específico'.
Antes de continuarmos vejamos o que dizem alguns autores sobre o Princípio da Especificidade:
"Aquele que impõe, como ponto essencial, que o treinamento deve ser montado sobre os requisitos específicos da performance desportiva, em termos de qualidade física interveniente, sistema energético preponderante, segmento corporal e coordenações psicomotoras utilizadas." Dantas (1998)
"O princípio da especificidade preconiza que sejam treinados os aspectos que se prendem directamente com o jogo (estrutura do movimento, tipo de esforços, natureza das tarefas…) no sentido de viabilizar a maior transferência possível das aquisições conseguidas no treino para o contexto específico do jogo." (Garganta, 1999).
Pegando essas definições como balizadores práticos do treinamento, fica visível desta forma, e por demais notório o conflito do Princípio da Especificidade com a prática realizada nos treinamentos. Ou seja, TREINA-se de uma forma para JOGAR de outra.
Segundo Bangsbo (1994) os treinamentos de força especial para futebolistas devem ser realizados com movimentos relacionados às ações motoras do jogo pela influência da adaptação neural na produção de força, em que este elevado nível não poderá ser utilizado efetivamente se o atleta não for capaz de coordenar a ativação dos diferentes grupos musculares no movimento.
Jorge Maciel, treinador português, em uma entrevista concedida ao amigo Luis Esteves (www.organizacaodejogo.blogspot.com) fala sobre a musculação no futebol sob a perspectiva da Periodização Tática. Transcrevo aqui alguns trechos:
Considero que de uma forma geral a musculação é desnecessária para se jogar futebol. E aqui não estou a contemplar a possibilidade de haver jogadores com patologias, ou até mesmo a necessidade de nós termos sensibilidade para perceber que há jogadores que fruto da sua habituação a fazerem-no têm necessariamente que o fazer, pois caso não o façam sentem-se desconfortáveis. Mas também nesses casos a nossa intervenção deverá ser no sentido de diminuir e quem sabe abolir com tais necessidade subconscientes somatizadas.
(...)
A musculação procura retratar uma realidade irreal, é um contexto postiço, desde logo porque não permite estar em relação com a bola e o contexto de jogo, por isso terá necessariamente perdas. A propriocepção é algo concreto, contextual e os estímulos que emanam do contexto de jogo não são passíveis de serem reproduzidas numa sala de musculação.
(...)
Eu entendo o Corpo como uma realidade inteligente, que como tal carece de ser aculturada. Trata-se inegavelmente de uma realidade plástica, sobre a qual o treino pode actuar. Mas que treino?! Para mim a plasticidade tem de rimar com selectividade e consequentemente com Especificidade. Nós tornamos-nos selectivos pelo que fazemos, assim como a adaptabilidade que imana do que fazemos tem a ver com essa selectividade.
Nesta linha, Silva (1990) refere que para treinar a Força Rápida não são necessários aparelhos complicados nem salas de musculação, sendo possível recorrer-se a formas acessíveis (sprints, mudanças de direcção, multisaltos, etc). Assim, sempre que possível devem-se selecionar exercícios que englobem situações de jogo ou formas reduzidas.
Diante de tudo o que foi exposto, o que fica claro é que, a Especificidade vai muito além da forma com a qual convencionalmente a enxergamos. Vendo o futebol como um esporte coletivo cheio de imprevisibilidade, fruto decorrente das interações entre os jogadores de uma mesma equipe em oposição/interação com jogadores de outra equipe, e tratando-o como um fenômeno complexo, a preocupação que se deve ter com relação ao treinamento seria a aquisição de uma forma ótima do JOGAR que se pretende. Quero dizer com isso que o treinamento não deve ser reduzido e empobrecido à questões 'puramente físicas'. Pivetti (2012) vem corroborar com essa questão ao afirmar que o que se pretende é realmente a incorporação funcional coletiva de uma função tática do modelo de jogo, e não uma valência condicional em particular.
Não se quer, com isso, dizer que não deve-se dar atenção ao treinamento de força no futebol, e sim, deixar claro que, tanto esta como as demais demais valências condicionantes devem ser subjugada pelo modelo de jogo que a equipe pretende desenvolver, em função de treinamentos que priorizem um estado otimizado de um JOGAR pretendido, e isso é perfeitamente possível de se adquirir treinando-se em ESPECIFICIDADE!
REFERÊNCIAS:
BANGSBO, J. The physiology demands of playing soccer. In: EKBLOM, B. (Ed.).
Football (soccer). London: Blackwell Scientific, 1994c. Cap.4, p. 43-58.
Diante de tudo o que foi exposto, o que fica claro é que, a Especificidade vai muito além da forma com a qual convencionalmente a enxergamos. Vendo o futebol como um esporte coletivo cheio de imprevisibilidade, fruto decorrente das interações entre os jogadores de uma mesma equipe em oposição/interação com jogadores de outra equipe, e tratando-o como um fenômeno complexo, a preocupação que se deve ter com relação ao treinamento seria a aquisição de uma forma ótima do JOGAR que se pretende. Quero dizer com isso que o treinamento não deve ser reduzido e empobrecido à questões 'puramente físicas'. Pivetti (2012) vem corroborar com essa questão ao afirmar que o que se pretende é realmente a incorporação funcional coletiva de uma função tática do modelo de jogo, e não uma valência condicional em particular.
Não se quer, com isso, dizer que não deve-se dar atenção ao treinamento de força no futebol, e sim, deixar claro que, tanto esta como as demais demais valências condicionantes devem ser subjugada pelo modelo de jogo que a equipe pretende desenvolver, em função de treinamentos que priorizem um estado otimizado de um JOGAR pretendido, e isso é perfeitamente possível de se adquirir treinando-se em ESPECIFICIDADE!
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REFERÊNCIAS:
BANGSBO, J. The physiology demands of playing soccer. In: EKBLOM, B. (Ed.).
Football (soccer). London: Blackwell Scientific, 1994c. Cap.4, p. 43-58.
DANTAS, EHM A prática da preparação física. 4º ed. Rio de Janeiro: Shape, 1998.
De PROFT, E., Cabri, J., Duffour, W., & Clarys, J. (1988). Strength training and kick performance in soccer players. In T. Reilly, A. Lees, K. Davids, & W. J. Murphy (Eds.), Science and football (pp. 108-113). London: E. & F. N. SPON.
GARGANTA, J. (1999). O desenvolvimento da velocidade nos jogos desportivos colectivos. Revista Treino Desportivo. n° 6, pp: 6-13.
MACIEL, J. Conversa de Futebol - Metodologia, treino e ideias sobre futebol [16/09/2011]. www.organizacaodejogo.blogspot.com Entrevista concedida à Luis Esteves
PIVETTI, BMF. Periodização Tática – O futebol-arte alicerçado em critérios. 1ª ed. São Paulo: Phorte, 2012.
SILVA, J. (1990): A propósito do treino da Força Rápida no Futebol. Treino Desportivo, 18: 19-23
WEINECK, J. Futebol Total – O treinamento físico no futebol. 1ª ed. São Paulo: Phorte. 2000.