A Aleatória Auto-Organização das equipes.
Estava conversando com o colega Luís Esteves¹ (profissional que admiro bastante), e tocamos no assunto de como é comum vermos, em certos casos, uma equipe de futebol moldar-se 'sozinha', de acordo com as características das peças (jogadores), e não por um trabalho interveniente do seu treinador. Às vezes, a soma das características desses jogadores, e tão somente essa soma, faz surgir um interessante modelo de jogo. A interação entre os jogadores se dá, de tal maneira que, tudo flui de uma forma positiva.
As características desse sistema, não foi resultado de uma organização consciente de seus jogadores, muito menos da intervenção do seu treinador. É um "fazer sem saber o que está sendo feito". É, na verdade, um conjunto de vivências individuais, que num dado momento, e de forma aleatória, produziu uma (como referiu-se Luis Esteves) auto-organização.
"Toda a interação dotada de alguma estabilidade ou regularidade assume um carácter organizacional e produz um sistema" ( Morin, 1990)
E assim, com treinos que em nada tem a ver com a complexidade do jogo, ganham-se partidas e conquistam-se campeonatos. Com metodologias ultrapassadas e cartesianas, onde o físico está acima da técnica e da tática, alguns treinadores triunfam!
Todavia, não será sempre que as equipes terão essa auto-organização, e será necessário que o treinador tome as rédeas do processo, sob pena de ter em suas mãos, uma equipe totalmente desnorteada.
"A organização dos jogadores configura as interacções da equipa e por isso, leva a determinadas regularidades que a identificam. Deste modo, um sistema sem organização resulta numa agregação aleatória de acontecimentos sobre os quais os jogadores e treinador têm maiores dificuldades em interagir". (Garganta & Cunha e Silva, 2000).
Muitos, treinam suas equipes por imitação. Alguns de acordo com o que vivenciaram em épocas passadas, ou quando jogador, e por conta de suas visões reducionistas, elegerão esses métodos, como verdade absoluta até o final da vida. Devemos atentar que o futebol é muito mais complexo do que possa parecer. Cada equipe tem uma identidade própria e nenhuma é igual a outra. Os métodos que foram eficazes para a equipe A pode não ser tão benéficos se aplicados à equipe B.
Uma grande parte dos treinadores, relutam em aceitar o novo pelo simples fato de não saber fazer nada mais além da imitação.
Sair da zona de conforto, é muito mais difícil do que, simplesmente, renegar uma nova metodologia que o faz pensar, refletir, transcender.
"A questão única está no medo de: transcender, fugir do comum e modificar padrões instaurados na sociedade do futebol. Sair do modelo convencional, que foge do corriqueiro é uma tarefa árdua, especialmente pela nítida massificação das tais idéias do abraçar e morrer pela “religião do treino tradicional”. E quando se é percebido (através da ciência, que fique bem claro) que tal modelo é ultrapassado e questionado a cada dia que se passa pelo tempo perdido com o mesmo, surge a estranha sensação de alívio ao observar algo novo fluir, e em nada (ainda bem) se parecer com o arcaico. A partir daí, começa-se a entender que a troca de paradigmas é inevitável para a evolução de qualquer atividade humana." (Greboggy e Cazerin).
Não é tarefa fácil sistematizar um modelo que privilegie um "saber fazer" por parte dos jogadores. Fazer com que, compreendam e, junto com o treinador façam surgir um modelo de jogo que vá de encontro com as características da equipe. É necessário, antes de tudo, mudar o entendimento do que achamos que é o futebol. Mudar a direção do nosso olhar e ampliar o nosso raio de visão. Devemos nos livrar das correntes cartesianas, na qual estamos há séculos atrelados. Devemos, principalmente, ter a humildade de estudar sempre, sabendo que quanto mais estudamos menos sabemos.
(¹)Treinador de futebol e autor do blog www.organizacaodejogo.blogspot.com